SÃO PAULO, RIO e BRASÍLIA - Apesar dos apelos oficiais de governos,
das famílias dos envolvidos e de organizações não governamentais, o
brasileiro
Rodrigo Gularte,
condenado à morte na Indonésia por tráfico de drogas, deve ser
executado ainda hoje, por volta das 14h (horário de Brasília). Nesta
terça-feira, sua prima Angelita Muxfeldt disse à TV Globo que ele não
sabe que poderá ser executado a qualquer momento. Parentes foram
autorizados a falar com os condenados horas antes do fuzilamento.
Perguntada como Rodrigo está, ela respondeu:
— Ele está calmo.
Está bem tranquilo — disse ela ao "Bom Dia Brasil", da TV Globo,
indicando ainda que não comentou nada sobre a proximidade da execução
com Rodrigo: — Não, não — repetiu, abalada.
O porta-voz da Procuradoria Geral da Indonésia, Tony Spontana, afirmou que a execução de
nove pessoas condenadas por tráfico de drogas —
entre elas o brasileiro — será realizada nesta terça-feira, e que não
há mais recursos possíveis aos condenados. A prisão de segurança máxima
da Ilha de Nusakambangan teve a segurança reforçada. Conselheiros
religiosos, médicos e o pelotão de fuzilamento já foram alertados para
iniciar os preparativos finais para a execução, e uma dúzia de
ambulâncias, algumas carregando caixões cobertos com panos brancos,
chegaram ao local.
Nas primeiras horas da manhã de segunda-feira,
os advogados do brasileiro tentaram um último artifício para impedir a execução. Eles ingressaram com um novo pedido de revisão judicial do processo de Gularte junto à Justiça da Indonésia.
De
acordo com a legislação daquele país, todos os condenados à morte têm
direito a pedir a revisão do julgamento duas vezes. Gularte recorreu à
possibilidade apenas uma vez, portanto, lhe restaria ainda mais uma
tentativa. A procuradoria da Indonésia, entretanto, diz que não há mais
possibilidade de recursos serem analisados. O outro brasileiro condenado
na Indonésia, Marco Archer, foi executado apenas depois da apreciação
de seu segundo pedido de revisão.
Inicialmente, dez pessoas
estavam condenadas a ser executadas nesta terça-feira, mas o francês
Serge Areske Atlaoui foi excluído, justamente por estar submetendo seu
segundo pedido de revisão judicial. Depois que os condenados são
comunicados da execução, ela só pode ser cancelada pelo procurador-geral
ou pelo presidente da Indonésia.
A defesa e a família de Rodrigo
Gularte, condenado à morte em 2005 por tentar entrar na Indonésia com
seis quilos de cocaína escondidos em pranchas de surfe, estão ainda
empenhadas em conseguir uma internação imediata do brasileiro em unidade
psiquiátrica. A prima dele, Angelita Muxfeldt, que está no país, entrou
com pedido judicial para se tornar tutora de Gularte. Ele sofre de
esquizofrenia.
Segundo o advogado Cleverson Teixeira, amigo da
família e um dos que ajudam no caso, no Brasil, a mãe de Gularte já sabe
da confirmação do governo indonésio e entrou em choque com a notícia.
— Neste momento, eles estão motivados em apresentar documentação para
tentar a internação e evitar a execução. Há documentos para comprovar
que, desde moço, ele já tinha problemas psiquiátricos, que foram
agravados nesses dez anos de corredor da morte — disse Cleverson.
De
acordo com informações da família, parte da documentação sobre a doença
mental de Gularte só foi juntada ao processo na semana passada, depois
que a família adotou como advogados um grupo de militantes contra a pena
de morte. A família descobriu há menos de um mês que o advogado que até
então cuidava da situação havia negligenciado a defesa do brasileiro.
GOVERNO BRASILEIRO CONSIDERA INACEITÁVEL
Gularte
foi notificado no sábado de que será executado por fuzilamento e teria
reagido com delírios e com negação. Ele não acredita que a sentença será
cumprida. De acordo com o Itamaraty, a saúde do brasileiro está
bastante deteriorada e em diversos ocasiões foram feitos pedidos
urgentes para a internação imediata de Gularte. Ele ouve vozes e
acredita se comunicar com parentes no Brasil por meio de telepatia.
No
último domingo, o governo brasileiro enviou uma carta à Embaixada da
Indonésia no Brasil e às autoridades responsáveis na Indonésia em que
afirmava considerar “inaceitável” a execução do brasileiro. A carta
adotava um tom contundente e grave para os padrões das relações
internacionais. Outros países que também possuem cidadãos na fila de
fuzilamentos, como França e Austrália, ameaçaram sanções diplomáticas à
Indonésia caso a punição seja levada a cabo.
Ontem, a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) declarou que irá emitir uma moção em favor de
Gularte. A medida foi aprovada no plenário da VI Conferência
Internacional de Direitos Humanos.
Já o presidente das Filipinas,
Benigno Aquino, disse ter feito um último apelo ao governo da Indonésia
para poupar a filipina Mary Jane Veloso, que está entre os prisioneiros
que serão executados. Esse foi o terceiro pedido pessoal do presidente
depois que a Procuradoria-Geral da Indonésia rejeitou, na segunda-feira,
o pedido para uma segunda revisão jurídica do caso. Mary Jane diz ter
sido enganada por traficantes de drogas, que teriam colocado drogas em
sua bolsa sem que ela soubesse.
A organização de direitos humanos
Anistia Internacional divulgou ontem uma carta aberta ao presidente
indonésio Joko Widodo condenando execuções e clamando por clemência aos
prisioneiros. Na carta, a Anistia afirma que sempre se opôs à pena de
morte e atuou com afinco para impedir que ela fosse aplicada em diversas
partes do mundo, inclusive, em um processo contra dois detentos
indonésios condenados à execução na Arábia Saudita. A despeito dos
protestos da Indonésia neste caso, ambos acabaram sendo mortos.
Intensificar as execuções por tráfico internacional de drogas foi uma
das bandeiras eleitorais do então candidato Widodo na campanha
presidencial de qual saiu vitorioso. Desde que assumiu a presidência,
ele intensificou as punições.
— Todos os países que terão cidadãos
executados certamente farão gestões, mas eles não podem influenciar
nossa soberania — afirmou o procurador geral da Indonésia, M Prasetyo.
TENTATIVA DE SUICÍDIO EM 2006
O
paranaense Rodrigo Muxfeldt Gularte foi preso em 2004 com seis quilos
de cocaína escondidos em pranchas de surfe. Ele estava com outros dois
brasileiros — Emerson Vieira Guimarães e Fred Silva Maguetta —, que
foram liberados depois que Gularte assumiu sozinho a responsabilidade
pela droga. No ano seguinte, Gularte teve a sentença convertida em pena
de morte pela Corte Distrital de Tangerang.
Natural de Foz do
Iguaçu, Gularte passou a maior parte da vida com a mãe, Clarisse
Muxfeldt Gularte, em Curitiba. Antes da prisão, o surfista morou por
cinco ano em Florianópolis, onde vive Jimmy Haniel Pereira Gularte, seu
filho de 21 anos, autista, com quem teve pouco contato.
Segundo
entrevista da mãe de Gularte, concedida na época da condenação à “Veja”,
o filho se tornou usuário de drogas aos 15 anos. Aos 16, ele passou
pelo primeiro tratamento contra o vício, mas sem sucesso. Para ajudar o
filho, Clarisse o empregou como administrador de um restaurante, que
acabou se tornando ponto de venda de droga.
Em 2006, o surfista
manifestou sinais de forte depressão e tentou cometer suicídio próximo
ao Natal daquele ano. Ele já havia ateado fogo em roupas e objetos de
sua cela, o que resultou na transferência para outra de maior segurança.
No ano passado, parentes de Gularte contrataram uma equipe médica para
avaliar o seu estado mental. Os médicos atestaram que ele sofria de
esquizofrenia. Novos exames reafirmaram o laudo. O diagnóstico tem sido
usado para tentar evitar sua execução e transferi-lo para uma clínica
especializada.
Entre os condenados, há uma única mulher, a
filipina Mary Jane Veloso, que afirma ter viajado à Indonésia para
trabalhar como empregada doméstica e que teria sido enganada por um
cartel internacional de drogas. Em 2009, ela foi detida com 2,6 quilos
de heroína no forro de sua mala, mas diz que foi um amigo de sua
família, integrante de uma organização criminosa, quem ocultou a droga
na bagagem.
Até o momento, o presidente indonésio, Joko Widowo,
intransigente com o tráfico de drogas, rejeitou todos os pedidos de
indulto, apesar dos muitos apelos por clemência. Ontem, ele disse sentir
compaixão por Mary Jane e prometeu estudar o caso, mas parece pouco
provável que mude sua opinião sobre execuções que, segundo ele, são
essenciais para atacar a crise provocada pelas drogas no país.
fonte: extra